Não está conseguindo pagar seu financiamento? É possível pagar menos!
Essa matéria é direcionada para advogados e pessoas (física ou jurídica) com algum tipo de dívida bancária, principalmente dívidas não imobiliárias.
Segundo notícia publicada no site EBC – Agência Brasil em 31/07/2017 o percentual de inadimplentes no Brasil bateu 24,2% em Julho/2017. Ou seja, de cada 10 brasileiros economicamente ativos 1/4 estão enrolados com dívidas em cartões de crédito, financiamento pessoal, cheque especial, etc. Isso sem falar nas empresas que contraíram empréstimos diretos ou de capital de giro a fim de manterem suas operações durante o ambiente de crise.
Atuando no segmento de cálculos judiciais e extra-judiciais (que envolve dentre outros serviços o recálculo de dívidas bancárias) desde 2002 realmente não me recordo de outro momento com tamanho volume de ações judiciais para revisar contratos e cálculos para subsidiar acordos. Muitas vezes a pessoa formaliza um acordo de empréstimo (por emergência ou sem pesquisar as linhas de crédito) sem avaliar o extremo peso futuro para a renda familiar que envolve pagar parcelas com uma taxa média de juros que beira os 140% ao ano (podendo chegar a 400% ao ano para produtos como cartões de crédito).
E o que fazer? Depois de entrar na inadimplência ou ser considerado como "superendividado" existem dois caminhos principais: fechar um acordo extrajudicial com o credor que pode envolver aumento das parcelas e/ou redução da taxa de juros OU ajuizar uma ação judicial para revisão do refinanciamento. Em ambas as opções é fundamental que o devedor faça uma planilha de recálculo da dívida com um contador ou especialista a fim de instruir os parâmetros do acordo ou ingressar com a ação judicial. O objetivo da presente matéria é elencar as motivações técnicas que podem ser usadas para revisão.
Quanto custa um serviço de recálculo?
O custo da planilha de revisão geralmente varia de acordo com o número de contratos a serem revisados e com o tipo de financiamento. A média gira em torno de R$ 600,00. Em minha empresa de cálculos - Grupo QUALICONT , por exemplo, praticamos tabela de acordo com o tipo de revisão (veja AQUI) o que varia de R$ 300,00 a R$ 600,00 parceláveis em até 3 vezes sem juros. Desconfie de honorários muito baixos pois eles podem esconder duas principais situações: não concedem garantia até o final do processo ou acordo; falta de experiência com o serviço ou capacitação técnica do profissional.
O resultado do recálculo é sempre favorável?
Ao se utilizar os três argumentos técnicos de revisão (que serão abordados no próximo tópico) sempre existirá diferença em prol do credor ENTRETANTO nem sempre a diferença encontrada será suficiente para amparar uma discussão judicial tendo em vista muitas vezes ser ínfima. Não raro a diferença encontrada sequer paga o valor dos honorários técnicos de revisão. A maior diferença se dá em função de revisão da taxa nominal de juros. Assim, se o seu contrato de financiamento já prevê utilização de juros iguais ou menores do que a "taxa média do Banco Central" dificilmente o resultado será satisfatório. Sugestão: antes de aceitar um orçamento de revisão peça ao profissional analisar se a taxa nominal de juros de seu contrato é maior, igual ou menor à taxa média de juros editada pelo Banco Central do Brasil no mês/ano de assinatura do contrato.
Quais são os itens aptos de recálculo?
A esmagadora maioria das revisões se dá por conta de três tópicos: taxa nominal de juros remuneratórios do contrato, inclusão de parcelas tidas como indevidas no financiamento e aplicação de juros capitalizados. Apesar das matérias serem de caráter técnico, atuarial ou contábil irei tratar abaixo de cada uma delas da maneira mais descomplicada possível (me perdoem os técnicos mais preciosistas...):
1. Taxa nominal de juros: Em qualquer empréstimo bancário há cobrança de juros ditos remuneratórios como contraprestação pelo valor emprestado. Os juros são facilmente entendidos como o aluguel do dinheiro tendo em vista que ele passa a estar com o devedor. Ocorre que em muitos contratos a quantidade (o percentual) da taxa pelo "aluguel do dinheiro" pode ser interpretada como excessiva ou abusiva. Tratarei o mínimo possível das premissas legais a fim de deixar o texto mais simples.
Existe uma Súmula do STF (Sum 596) que leva ao entendimento de que as instituições financeiras são livres para cobrar juros acima da taxa legal (ver artigo 406 do Código Civil) não seguindo as limitações firmadas pelo Decreto 22626/1933 (chamado de Lei da Usura). Entretanto existe farta jurisprudência facultando ao Judiciário tutelar e arbitrar nova taxa de juros caso a mesma seja interpretada como abusiva ou excessiva.
O caráter de abusividade e excessividade é de certa forma subjetivo mas passou por várias etapas ao longo dos últimos anos. Até meados de 2005 a maioria das Sentenças arbitrava limitação em 1% ao mês de juros. Até meados de 2015 se tinha entendimento misto entre juros de 1% ou taxa Selic. Hoje a grande maioria dos casos são arbitrados pela limitação à taxa média de juros emitida pelo Banco Centra do Brasil. Tal taxa muda com o tempo e com o tipo de crédito e pode ser consultada no sistema de séries temporais na página do banco Central.
A aplicação prática no cálculo se dá pela troca da taxa nominal de juros do contrato por uma taxa de juros inferior e posterior recálculo de todo o sistema de financiamento. Quanto maior a diferença entre essas taxas maiores seria o resultado pró-credor.
2. Inclusão de parcelas indevidas no financiamento: Muitas vezes quando se observa o quadro resumo de um financiamento verifica-se que além do dinheiro propriamente emprestado são também somados ao total financiado valores como "taxa de abertura de crédito", "seguros", "taxa de vistoria", "outros", etc. Existe vasta jurisprudência que concede caráter abusivo a inclusão de tais taxas na base de cálculo do financiamento. O caminho trilhado para esse entendimento se dá principalmente por aplicação da Súmula 297 do STJ , que autoriza aplicação do CDC (Código de Defesa do Consumidor) aos Bancos.
A aplicação prática no cálculo se dá pelo recálculo de todo o sistema de financiamento por meio da exclusão dos valores e verbas tidos como indevidos. Na maioria das vezes as parcelas indevidas são de pequeno valor e por isso não resultam em diferença expressiva.
3. Exclusão de juros capitalizados ("juros sobre juros"): Essa é a matéria mais polêmica e que causa acaloradas discussões. Inicialmente deve-se ter em mente que praticamente todos os financiamentos não imobiliários utilizam o sistema de amortização chamado de PRICE. Sem entrar nos conceitos atuariais do sistema é a utilização dele que propicia a existência de um valor fixo de parcelamento, o que não existiria pelo modo de juros "simples" contados "pro rata" do financiamento até o vencimento de cada parcela.
Mas o sistema PRICE é um sistema de juros capitalizados? Muitos matemáticos entendem que não mas a Justiça, o que nos interessa na presente matéria, tende a interpretar que sim, é um sistema composto que apura "juros sobre juros". A Súmula 121 do STF veda aplicação de juros sobre juros enquanto a Súmula 539 do STJ permite capitalização para contratos inferiores a 12 meses. Em 2017 o próprio STJ autorizou capitalização em contratos de mútuo por meio da Súmula 953. Não se assuste. No Brasil nada é muito fácil de interpretar...
Voltando à PRICE, já é conceito pacífico, no âmbito jurídico, a presença de juros capitalizados nos métodos de amortização utilizados para cálculos financeiros (Ex: Price e SAC). Tal afirmação pode ser evidenciada através das seguintes referências:
- O próprio inventor da Tabela Price menciona em seu livro “Observations on Reversionary Payments” que o método utiliza juros compostos (PRICE, Richard. Observations on Reversionary Payments. Londres: Ed. T. Cadell, 4ª ed., 1783; 6ª ed., 1803; e 7ª ed., 1812)
- Em Julho de 2004 vários professores de matemática financeira e autores do tema assinaram um manifesto de declaração sobre a presença de juros compostos no sistema PRICE.
- O próprio Banco Central do Brasil por meio da “Calculadora do Cidadão” presente em sua página afirma que a Tabela PRICE utiliza juros compostos conforme print abaixo:
A aplicação prática no cálculo se dá pela revisão completa do sistema de financiamento e amortização a fim de calcular juros "pro rata die" partindo da assinatura do contrato até cada um dos vencimentos (quantidade de dias x % de juros por dia). Tal método resulta em valor crescente da parcela e somente é possível verificar diferença positiva frente à PRICE no somatório total das parcelas do financiamento.
Por último deve também ser observada uma questão que ocorre principalmente em cédulas de crédito de maior valor com empréstimos para Pessoas Jurídicas: criação de investimentos compulsórios como venda casada para a liberação de empréstimos.
Na imagem abaixo retirada de um serviço onde trabalhei como Assistente Técnico Contábil pode ser vista a clara “venda casada” por parte da instituição financeira que como pré requisito para aprovação do empréstimo criou investimentos compulsórios e bloqueados remunerados com taxas muito inferiores aos juros do banco:
No exemplo em questão a instituição financeira liberava o valor do empréstimo, bloqueava parte do valor (advindo do empréstimo) sob as rubricas “APLICACAO INV” e “TRANSF. PARA CG” e após, paulatinamente desbloqueava os valores sob as rubricas “TRANSF DA CG” e “RESG. INVESTIMENTO”
Assim, minha dica é: não hesite em recalcular suas dívidas! O Brasil tem um dos maiores juros reais do mundo em operações de crédito e isso tem que se mudado. De uma forma ou de outra...
Eduardo Lemos é contador, administrador de empresas, pós graduado em auditoria e controladoria e sócio sênior do Grupo QUALICONT.